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06/11/2010

Marc Dourojeanni: Profissionais que levam o complemento `ambiental` nem sempre atuam na defesa da natureza.

Lobo na pele de cordeiro - O que deve fazer o pastor quando confirma que entre seus cordeiros tem um lobo disfarçado de cordeiro que se aproveita da sua situação no rebanho para atacá-lo? Que fazer com os profissionais que se qualificam como ambientais para melhor destruir o ambiente? Até umas três décadas atrás nem existia o complemento “ambiental” ou “ambientalista” nas profissões tradicionais e, até faz pouco tempo, praticamente todos os que complementavam seus títulos acadêmicos com o agregado ambiental eram, mesmo, ambientalistas ou, pelo menos, pretendiam sê-lo. Mas o mundo mudou e agora, os cartões de visita que anunciam um engenheiro ambiental ou um advogado ambiental, entre outras profissões que acoplaram o termo ambiental, não pertencem necessariamente aos defensores do meio ambiente. Muito pelo contrário, como resultado de uma legislação ambiental mais severa e de um maior rigor na sua aplicação que, em geral, eleva os custos dos empreendimentos, parte significante dos profissionais ambientais da atualidade aplica lucrativamente seus conhecimentos prejudicando o ambiente ou apoiando ou defendendo aos que danam o meio ambiente.
Os lobos na pele de cordeiro exibem e usam muito seu titulo “ambiental”. Eles estão por todas as partes e, nem sempre é fácil identificá-los. São freqüentes em empresas de consultoria, dessas que fazem estudos de impacto social e ambiental bem a gosto do cliente inescrupuloso e irresponsável
Não se trata, no caso, de visões ou estratégias diferentes para conservar a natureza ou melhorar o entorno. Nem se trata de erros, que qualquer um pode cometer. Trata-se, isso sim, de aplicar fria e calculadamente os conhecimentos adquiridos com a profissão ou a especialização ambiental para favorecer interesses de pessoas ou grupos, que se beneficiam economicamente a partir de soluções ou decisões que agridem a natureza e comprometem o futuro humano. O problema é que ninguém espera, a priori, que um especialista em meio ambiente assessore sobre as melhores formas de ignorar, simular ou burlar as práticas ambientais que a ciência e a técnica, ou o senso comum indicam ou propugnam e que até a própria lei ordena. Esses são, pois, os lobos desta história. É evidente que não existe unanimidade para enfrentar a problemática ambiental em todas as suas facetas e tem até quem ache que não existe no mundo nenhum problema ambiental realmente sério. Há, por exemplo, quem não acredita nas implicâncias das mudanças climáticas, ou acha que a diversidade biológica é um estorvo e que não importa perder a maior parte dela, pois, segundo eles até é possível recriar a vida. Existem muitos biólogos, engenheiros agrônomos e florestais e até ecólogos, em universidades, centros de pesquisa e especialmente em empresas privadas que estão convencidos que o meio ambiente e a humanidade não correm riscos sérios e que, em todo caso, a inteligência humana pode resolver qualquer dificuldade provocada pela ação do homem. Assim mesmo são muitos e poderosos aqueles que antepõem o desenvolvimento convencional ou o crescimento econômico simplista, ou seja, que não levam em conta os custos da degradação ambiental. Outros fazem isso apenas por convicção política e, às vezes, até por ignorância. Ainda pensando e atuando assim, nenhum desses personagens dissimula o que pensam ou o que fazem. Eles até podem ser lobos ferozes, mas não são os lobos dissimulados que motivam este conto. E, obviamente, os integrantes dessa imensa maioria ignorante e silenciosa que se exime de pensar ou participar e que passa a vida toda esperando sem preocupação que outros tomem por eles as decisões, não são lobos de nenhuma classe.

De outra parte, existem mil e uma opções que propugnam os ambientalistas para resolver os problemas do mundo, como é revelado pelas discussões e desentendimentos entre os socioambientalistas, ou seja, os antropocêntricos e, os ambientalistas ou, se preferir, os “ecocêntricos” e todas suas classes e raças intermediárias. Mas, todos eles e elas estão a favor da natureza, de um entorno saudável e, da relação harmoniosa e sustentável do desenvolvimento e da sociedade com o ambiente. Apenas diferem em como fazer melhor as coisas para o meio ambiente e para a humanidade. Eles e elas, neste caso, são ovelhas de diferentes cores, formas, odores e tamanhos que formam o rebanho que é infiltrado pelos lobos disfarçados de cordeiros.

Os lobos na pele de cordeiro exibem e usam muito seu titulo “ambiental”. Eles estão por todas as partes e, nem sempre é fácil identificá-los. São freqüentes em empresas de consultoria, dessas que fazem estudos de impacto social e ambiental bem a gosto do cliente inescrupuloso e irresponsável. Alguns estão nas empresas que direta ou indiretamente maltratam o ambiente e, claro, eles pululam nos escritórios de advocacia. São esses lobos dissimulados que produziram ou defenderam, apenas nos últimos anos, toda classe de argumentos pretendendo a eliminação do ICMS ecológico e ainda a da mínima compensação ambiental que as grandes obras devem aportar para estabelecer áreas protegidas; defenderam radical e irrestritamente o uso dos transgênicos; também declararam que o CONAMA é uma aberração legal, argumentaram a favor da permanência de invasores em parques nacionais, sugeriram e conseguiram a eliminação ou redução do tamanho de unidades de conservação de preservação permanente ou a sua substituição por categorias que mantém intata a propriedade privada; atacaram o Código Florestal no que se refere a áreas de preservação permanente e reservas legais e; fizeram esforços para provar que o licenciamento ambiental é ineficaz e abusivo, sempre procurando facilitar os investimentos afetados.

Neste ponto deve ficar muito claro que qualquer cidadão tem pleno direito de se opor a medidas ambientais e que pode propor ações ou medidas que são ou podem ser prejudiciais ao entorno. Isso ocorre no dia a dia e é perfeitamente normal e aceitável e faz parte dos direitos básicos de qualquer cidadão. A sociedade, através da legislação e de outros mecanismos, decidirá sobre isso. Inclusive, como é tão freqüente, a maioria da população pode decidir fazer algo que a prejudica, como ocorre quando a sociedade apoia massivamente uma declaração de guerra suicida. O problema, neste caso, é o uso do disfarce ambiental ou ambientalista para fazer ou propor algo negativo ao ambiente. Neste ponto, pode se chegar à conclusão que o problema de fundo é um de ética profissional. Dito de outro modo, embora eles possam não violar lei nenhuma, eles não são honestos consigo mesmos.

De outra parte, como qualquer ecólogo sabe de sobejo, os lobos são úteis para manter uma população saudável e, por isso, devem ser preservados. Esses que, por exemplo, são advogados, cumprem uma função social importante defendendo os direitos ou os interesses individuais ou de grupos contra abusos da autoridade ou de outros cidadãos e até contra os erros da lei ou da sua aplicação. O bem comum não pode se construir sobre injustiças. Assim, por exemplo, o caso reiteradamente apontado da falta de regularização fundiária em unidades de conservação antigas é um escândalo que configura abuso. Denunciar isso, embora que na aparência fera o ambiente, é na realidade um passo adiante. Mas, um advogado realmente ambientalista não deveria propor como solução a eliminação ou degradação da unidade de conservação. Ele deveria focar sua artilharia jurídica para remediar o problema e seus conhecimentos legais para que os responsáveis dessa situação sejam severamente castigados e, obviamente, conseguir o trato justo das vítimas da inércia e da irresponsabilidade do setor público responsável.

É assim mesmo lógico que qualquer advogado, ambiental ou não, que defende os direitos ou interesses dos seus clientes procure a interpretação da lei que mais lhe convém. É igualmente aceitável que quando encontre interstícios nas leis ou até na Constituição, se aferre a eles para construir seu caso. Ao defender exitosamente ao seu cliente pode, obviamente, prejudicar o ambiente. É nesse ponto no que a parte ética entra em consideração, esperando-se que para ganhar seu caso, aplique seus conhecimentos, a sua imaginação e, em especial, a sua boa vontade e para não prejudicar mais o meio ambiente.

Ou seja, o problema dos pastores não é a existência de lobos. Estes sempre vão a atacar o rebanho. Seu problema é a identificação dos lobos que aparentam serem ovelhas e, nesse caso, impedir que fiquem dentro do seu rebanho, que é heterogêneo em como defender o ambiente, porém homogêneo na necessidade de defendê-lo. No final das contas todo o anterior se resume ao fato que na atualidade, ser profissional titulado em assuntos do meio ambiente não garante que seu interesse ou vocação seja a de preservar, melhorar ou restaurar o meio ambiente natural ou humano.

Quiçá ajudaria que as profissões que agora levam o complemento “ambiental” obriguem a seus graduados a fazer um juramento que, como o hipocrático, lhes obrigue a ser leais aos fundamentos do seu ofício. Mas, antes que isso seja realidade e também se for, o único que o cidadão comum pode fazer é esquecer o título “ambiental” desses profissionais e, apenas, avaliá-los em função da sua atuação.

Marc Dourojeanni foi professor e decano da Faculdade Florestal da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru e Diretor Geral Florestal desse país. Atualmente é Presidente da Fundação ProNaturaleza.

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