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16/11/2014

Nova transposição do rio Paraíba do Sul?


José Eustáquio Diniz, Ecodebate - A região metropolitana do Rio de Janeiro não conta com nenhum grande rio para abastecer os seus mais de 12 milhões de habitantes. Os diversos pequenos rios, como o Carioca, Maracanã, Acari, Méier, Trapicheiros e rio Comprido foram degradados, canalizados e transformados em esgoto. As promessas de despoluição da Baia da Guanabara parecem que não vão ser cumpridas nem mesmo para as Olimpíadas de 2016. A falta de água potável é uma realidade histórica na cidade e na região metropolitana. A crise hídrica tende a se agravar com a continuidade do desmatamento (inclusive da Amazônia) e os efeitos das mudanças climáticas.

Hoje em dia os cariocas dependem das águas do rio Guandu e da transposição das águas do rio Paraíba do Sul. Na usina hidrelétrica da Light, a jusante de Santa Cecília (no município de Barra do Piraí), é feita a transposição, quando o Paraíba do Sul cede mais de 60% de suas águas para o rio Guandu através das canalizações forçadas das usinas. O Sistema Light foi construído em 1952 e os rios Guandu, Ribeirão da Lages e a transposição do rio Paraíba do Sul abastecem 80% das necessidades da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Portanto, já existe a transposição das águas do rio Paraíba do Sul para o rio Guandu. Agora o governo paulista quer fazer a transposição do rio Paraíba do Sul para o sistema Cantareira, com o objetivo de atender a demanda da Região Metropolitana de São Paulo. Ou seja, as duas maiores Regiões Metropolitanas do país vão brigar pelas águas do rio Paraíba do Sul.

Reportagem do jornal O Globo, de 07/11/2014, mostra que o nível de água disponível nos quatro reservatórios da bacia – Paraibuna, Santa Branca e Jaguari (no Estado de São Paulo) e Funil, em Itatiaia, no Estado do Rio – está hoje em 6% de sua capacidade. Essa média, chamada de reservatório equivalente, é a menor em 36 anos, desde 1978, quando todos esses reservatórios passaram a operar juntos, com a conclusão do Paraibuna.

A situação pode piorar, pois existe a previsão de que os reservatórios desçam a um nível de até 4,5% no final de novembro. Ainda segundo O Globo, o quadro crítico preocupa especialmente após chegar à ANA (Agência Nacional de Águas) a proposta de São Paulo de passar a transferir cinco metros cúbicos de água por segundo de Jaguari para o reservatório de Atibainha, a 15km de distância, para abastecer a Região Metropolitana do estado, que enfrenta uma grave crise de abastecimento.

Mas tal transposição preocupa os membros do comitê, especialistas e prefeitos de cidades banhadas pelo rio, pois há o temor de que esta aprovação possa trazer mais crise para o Paraíba do Sul. Além de uma eventual falta de água, há o perigo de propagação de bactérias nocivas à saúde do rio. Isto se agrava nos períodos de estiagem. Além disso, se o nível da represa continuar descendo poderá comprometer a geração de energia na Barragem de Santa Cecília, em Barra do Piraí, que atende o Estado do Rio.

Ou seja, a marchinha do carnaval de 1954 pode voltar às paradas de sucesso na “Cidade Maravilhosa”: “Rio de Janeiro, cidade que me seduz: de dia falta água e de noite falta luz”. Se não chover, até mesmo o carnaval de 2015 pode ficar comprometido pela falta d’água.

Na verdade, a segurança hídrica das Regiões Metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro está em perigo. A cultura de tirar água e esvaziar os rios e os lençóis freáticos para abastecer o consumo humano está levando ao colapso hidrológico, além de ser um atentado ecocida contra a biodiversidade e a própria existência do rio Paraíba do Sul que deveria ser respeitado por seus valores intrínsecos.

Para piorar o quadro, além de extrair água, o ser humano devolve esgoto para o rio. Reportagem do jornal O Globo, de 11/11/2014, mostra que 600 milhões de litros de esgoto são despejados, diariamente, na Bacia do Paraíba do Sul: os dejetos “são combustível para a proliferação de cianobactérias (micro-organismos que podem gerar toxinas nocivas à saúde humana) elementos como nitrogênio e fósforo são despejados em doses cavalares, do início ao fim do rio e seus afluentes. A presença dessas cianobactérias no reservatório de Funil, em Itatiaia, no Sul Fluminense, preocupa pesquisadores. Com área de 40 quilômetros quadrados, Funil recebe toda a carga poluente da bacia vinda do território paulista. O reservatório foi construído por Furnas em dezembro de 1969. A água liberada pela Usina Hidrelétrica de Funil define as condições de qualidade das águas do Paraíba que chegam a 12,34 milhões de pessoas, somente em território fluminense”.

Segundo a mesma reportagem, a pesquisadora Maria Isabel Rocha aponta para o risco de contaminação de moradores locais e diz que na estiagem: “há diminuição da coluna d’água da represa, o que favorece a reprodução das cianobactérias. Há impacto direto a pescadores da região. Muitas análises associam as toxinas liberadas por esses micro-organismos a tumores de fígado. Crianças que nadam na água do reservatório correm risco maior”


Reportagem do jornal O Estado de São Paulo, de 09/11/2014, mostra que o rio Paraíba do Sul atingiu, em novembro, o mais baixo nível em 80 anos. No município de São João da Barra, no norte fluminense, onde o Rio Paraíba do Sul desemboca no mar – depois de percorrer 1.100 quilômetros – a seca mudou a paisagem da zona rural e ameaça a captação de água.

O Estadão entrevistou moradores que deram o seguinte relato: “O Paraíba acabou, né? Era um rio feroz, olha como ele tá agora. Eu nunca vi dessa maneira. Tá todo mundo apavorado com a situação do Paraíba”, diz Carla, de 45 anos, que recebe R$ 230 por mês de um programa social do município vizinho de Campos, onde nasceu. Ela vive no local há 15 anos com o marido, a mãe e uma sobrinha. Em meio ao cenário desolador, a família parece não acreditar. “Como é que pode isso? Quem diria que a gente ia estender roupa no meio do Paraíba? É o fim dos tempos. Acho que vamos ter coisa pior mais pra frente”, diz Amaro Jorge, de 50 anos, marido de Carla, catador de material reciclável. De três em três dias, um caminhão-pipa da prefeitura enche a caixa d’água da casa, que fica entre o rio e a BR-356.

No norte fluminense, o rio Paraíba do Sul é totalmente dependente dos afluentes que nascem em Minas Gerais, pois com a transposição do Reservatório do Funil, em Barra do Piraí, para abastecer a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, quase não flui mais água vinda de São Paulo. E virá menos ainda com a nova transposição planejada para atender o sistema Cantareira. Como consequência, na maré alta o mar invade o leito do rio, que não tem pressão para empurrar a “língua salina”. É o naufrágio do delta.

O agravamento da estiagem e a degradação do rio Paraíba do Sul, levou a Prefeitura de São João da Barra a decretar situação de emergência. Para o prefeito da cidade, uma alternativa para amenizar o problema é a dragagem de um canal para aumentar o fluxo de água. Porém, esta obra certamente traria danos para o município vizinho, São Francisco do Itabapoana. Enfim, a crise do sobreuso da água e da poluição do rio Paraíba do Sul está provocando uma “guerra hídrica” entre os Estados e os municípios da bacia hidrográfica do rio mais importante da Região Sudeste.

Por tudo isto, não resta dúvida de que o rio Paraíba do Sul está sendo degradado das nascentes até a foz, refletindo a triste realidade dos mananciais brasileiros. Os problemas atuais da falta de água na região Sudeste (a mais populosa e com maiores atividades antrópicas) são a consequência de uma exploração predatória da natureza. O desrespeito aos direitos da água se volta agora contra a espécie predadora que sujou e poluiu as fontes que poderiam mitigar a sede do homo sapiens pós-moderno, detentor de uma ganância insaciável de consumo.

Referência:

O Globo. Quatro reservatórios do Rio Paraíba do Sul estão com o nível mais baixo da sua história, 07/11/2014

Alexa Salomão, Felipe Werneck e Wilton Jr. Paraíba do Sul tem o mais baixo nível em 80 anos, O Estado de S.Paulo, 09/11/2014

Emanuel Alencar. Diariamente, 600 milhões de litros de esgoto são despejados na Bacia do Paraíba do Sul, O Globo, RJ, 11/11/2014

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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