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27/03/2012

Quase extinta na década de 1980, a arara-azul, uma das aves símbolo do Brasil está de volta aos céus do Pantanal

Arara azul num oco de manduví, seu ninho preferido
Luciano Candisani 
(National Geografic Brasil) - Depois de 40 minutos de vôo, uma área mais elevada e seca finalmente surgiu abaixo do monomotor. Era fevereiro, o auge das chuvas no Pantanal. A planície aluvial estava praticamente submersa. Ao lado do piloto, com o rosto grudado na janelinha do avião, eu mantinha os olhos fixos nas árvores que começavam a ganhar forma conforme baixávamos em direção a uma pastagem retificada – a única pista de pouso possível ao longo de centenas de quilômetros de campos inundados.
O risco da viagem em plena estação chuvosa valia a pena. Naquela região, em Poconé, no Mato Grosso, fora visto o maior bando de araras-azuis de que se tem notícia, cerca de 200 indivíduos juntos, um espetáculo raríssimo. A espécie já esteve muito perto de desaparecer da natureza nas mãos implacáveis dos traficantes de animais silvestres, sempre ávidos por lucrar com a cobiça de criadores e de zoológicos mundo afora, dispostos a pagar fortunas pelo privilégio de exibir um exemplar da bela ave. Cerca de 10 mil araras teriam deixado ilegalmente o país até a década de 1980. Ainda hoje, esse comércio ilícito persegue os reduzidos bandos remanescentes em áreas restritas do Nordeste brasileiro, mas foi praticamente banido do Pantanal – refúgio de 80% dos 6,5 mil espécimes existentes – graças a um programa de conservação iniciado em 1990 pela bióloga Neiva Guedes.

Pouco antes de o avião tocar o chão, um bando de araras cruza a cabeceira da precária pista. A cena, emocionante, ilustrava a recuperação dos animais no Pantanal. O risco de extinção, contudo, ainda assusta, agora no vácuo de problemas ambientais. O aumento do desmatamento para abertura de pastagens pode diminuir a oferta de três tipos de plantas imprescindíveis à sobrevivência das araras-azuis. De hábitos muito especializados, elas alimentam-se quase sempre de frutos das palmeiras acuri e bocaiúva, e fazem o ninho praticamente apenas em cavidades naturais de troncos de manduvi. A escassez dessa árvore já é, há tempos, um fator sério de risco às araras. “Tanto que uma de nossas primeiras medidas foi desenvolver ninhos artificiais de madeira capazes de simular as características dos ocos naturais”, conta a bióloga Neiva, pesquisadora da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (Uniderp) e da organização conservacionista WWF-Brasil. Boa parte dos nascimentos já acontece nesse tipo de abrigo, instalado pelos pesquisadores no alto de árvores.

Pressões econômicas têm motivado os fazendeiros a desmatar para aumentar seu rebanho. Historicamente, contudo, a pecuária, quando limitada a campos naturais, sempre conviveu bem com o ecossistema pantaneiro. As próprias araras-azuis aprenderam a tirar proveito da presença do gado em seu hábitat, estabelecendo com bois e vacas uma inesperada parceria ecológica. É que os zebus acabaram tomando gosto pelos mesmos frutos apreciados pelas araras. Os da bocaiúva, uma palmeira alta, eles pegam dos cachos caídos no chão; já os do acuri são apanhados da própria árvore baixa. De ambos os cocos, porém, aproveitam apenas a casca grossa e fibrosa, regurgitando e defecando a dura e nutritiva castanha, justamente a porção importante para as aves.

Isso explica por que bandos enormes de araras-azuis se concentram nos piquetes onde a boiada passa a noite, depois de um dia todo comendo nos pastos. Logo cedo, quando o calor ainda não é muito forte, as araras já estão empoleiradas em galhos secos ou mourões de cerca, esperando o rebanho dispersar para poderem banquetear-se das castanhas. O bando nunca vai inteiro ao chão. Alguns indivíduos permanecem posicionados em local de ampla visão e prontos para dar o alarme – vocalização curta e seca – a qualquer tipo de som ou movimento diferente detectado em um raio de 200 metros. Essas sentinelas dificultam os planos de quem quer observar de perto o fenômeno biológico. Para fotografá-las nesse inusitado banquete, tive de me posicionar e esperar durante dias até que meu abrigo fosse ignorado pelos animais. Mesmo assim, a cada movimento mais brusco eu era delatado pelos “vigias”, e precisava esperar horas sob o ataque de mosquitos até que os bandos voltassem ao chão. “Em 15 anos, poucas vezes consegui me aproximar menos de 10 metros de um bando de araras aos pés da boiada”, relata a experiente Neiva Guedes.

Durante a estação reprodutiva da espécie, entre julho e março, a bióloga deixa a cidade de Campo Grande a bordo de seu Toyota e capitaneia longas travessias pelas estradas pantaneiras para monitorar cerca de 228 de um total de 560 ninhos naturais e artificiais cadastrados numa área de 300 mil hectares, nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Num dia típico de trabalho, Neiva e seus assistentes chegam a escalar uma dezena de árvores, algumas com mais de 20 metros de altura, para checar as condições gerais de um ou dois filhotes dentro de cada oco.

A cada ano, a bióloga registra com alegria o vôo de novas levas de filhotes saudáveis. A população atual no Pantanal, estimada em 5 mil animais, mais que dobrou em 15 anos. Por outro lado, ela acredita que a recuperação definitiva da espécie é incompatível com o aumento no desmatamento atual. “O caminho sustentável passa pela retomada do conceito tradicional da pecuária pantaneira”, diz ela, “em pastagens já existentes, sem novas derrubadas.” E por alternativas econômicas complementares, como o turismo de observação de aves – onde a arara-azul, um dos ícones da fauna brasileira, será sempre a grande atração.

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