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12/07/2012

Nem só de APPs vivem os rios


Ecodebate, Osvaldo Ferreira Valente  - Como profissional ligado à conservação e ao manejo de recursos naturais renováveis – sou engenheiro florestal -, acompanhei com muito interesse, e também com muita preocupação, as discussões sobre o novo Código Florestal. Como especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas (conservação de aquíferos e nascentes), fiquei e continuo preocupado com a sensação transmitida ao público de que, constituídas e garantidas as APPs, os nossos recursos hídricos estarão salvos.
Os fundamentos da conservação de recursos hídricos, incluindo aí os grandes rios, as nascentes e os pequenos córregos, estão todos baseados na aplicação do ciclo hidrológico. E este não está limitado à circunscrição das APPs. No caso específico de produção de água, temos de analisar o comportamento do ciclo hidrológico nas pequenas bacias hidrográficas. Nelas nascem os pequenos córregos que se juntam para formar os ribeirões que, por sua vez, se juntam para formar os rios. Ou seja, grandes bacias hidrográficas são subdivididas em infinidades de pequenas bacias.

Se os córregos começam nas nascentes e se as nascentes são abastecidas pelos aquíferos subterrâneos, fica fácil entender que o mais importante é fazer com que infiltração, que é parte do ciclo hidrológico, seja privilegiada no processo, pois, após a chuva, ela é a responsável primeira pelo abastecimento do aquífero. E será que a infiltração na pequena bacia só acontece em APPs? A própria Lei das Águas, a 9.433, reconhece ser a bacia hidrográfica a unidade básica de planejamento. Na citada Lei não há referências explícitas sobre as APPs. A responsabilidade pelo abastecimento dos aquíferos subterrâneos é de toda a superfície da bacia, principalmente daquelas áreas que se sobrepõem aos mesmos. Mas há uma insistência, vinda não sei de onde, de afirmar que os topos de morros são as áreas de recarga. Por acaso perguntaram aos aquíferos subterrâneos se eles só querem receber água infiltrada nos topos?

As discussões, que desaguaram no novo Código Florestal, deixaram o sentimento de que, preservados os topos de morros e as áreas ciliares ou ripárias, os córregos e rios estarão salvos. Pior, deixaram a idéia de que tudo depende da floresta. Minimizaram o efeito da bacia hidrográfica, pois dela só se fixaram nas APPs e no papel das árvores. Sobre essa fixação nas árvores, eu tenho muita preocupação, pois induz o pequeno proprietário de terra, por exemplo, a achar que reflorestados os 30 metros ao longo dos córregos (15 metros de cada lado) o problema de sua conservação estará resolvido. Não precisará se preocupar mais com outras práticas conservacionistas. Se partículas de solo forem retiradas e transportadas, elas serão retidas pela vegetação ripária. Se o córrego, assim, não for assoreado, ele terá sua existência garantida. Quanto ao abastecimento do aquífero, responsável pelo fornecimento da água que escoa pelo córrego, isso ficará a cargo só do salvador topo de morro.

Tudo isso mostra uma falta de compreensão do comportamento do ciclo hidrológico. As pessoas muitas vezes se assustam quando digo que é possível fazer com que uma pequena bacia, formadora e mantenedora de um córrego, seja capaz de mantê-lo vivo e transportando água de boa qualidade, sem plantar uma única árvore, mesmo que elas inexistam na área. É evidente que não estou propondo que isso seja para uso em larga escala, mas é para mostrar que há outras práticas de conservação que podem ser aplicadas em áreas já intensamente exploradas e que podem fazer com que o ciclo hidrológico beneficie a produção de água.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas, professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e autor dos livros “Conservação de nascentes – Produção de água em pequenas bacias hidrográficas” e “Das chuvas às torneiras- A água nossa de cada dia”; colaborador e articulista do EcoDebate. (valente.osvaldo@gmail.com)

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