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18/02/2013

Trangênicos: a rotulagem e a flexibilização geral

A regulamentação do feijão transgênico e atentativa de se acabar com a rotulagem e monitoramento dos alimentos transgênicos indicam como está funcionando a lei de biossegurança no país, que favorece o interesse do agronegócio e não da população. ( Instituto Humanitas Unisinos e Revista Cidadania e Meio Ambiente - entrevista com José Maria Ferraz )

IHU ON-LINE – COMO AVALIA O PROJETO DE LEI 4148/08, QUE PROPÕE A NÃO ROTULAGEM DOS PRODUTOS TRANSGÊNICOS?

José Maria Ferraz – Os organismos geneticamente modificados – ou simplesmente OGMs – foram aprovados, à época, com uma série de considerações para poderem ser aprovados. Uma delas era o
monitoramento dos produtos após a liberação comercial, e outra era a rotulagem dos alimentos transgênicos. Essas foram as duas condicionantes para a aprovação de sua comercialização propostas pelos órgãos oficiais e por autoridades que instituíram a lei. No entanto, o Projeto de Lei 4148/08 prevê a retirada do monitoramento dos produtos transgênicos, e a não rotulagem dos produtos. O monitoramento já havia sido flexibilizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança/CTNBio porque antes havia uma série de regras de monitoramento e, com a flexibilização, uma empresa pode pedir o não monitoramento do produto caso considerar conveniente. Então, não havendo monitoramento ou ocorrendo de forma muito flexível – ou ainda, se os produtos deixarem de ser rotulados –, não será possível estabelecer uma relação de causa e efeito no sentido de identificar se determinado produto está, ou não, causando algum efeito à saúde da população. Os produtos orgânicos, por exemplo, são rotulados e todo mundo gosta que assim seja. Então, por que não rotular os transgênicos, se se acredita que eles são bons? Não tem lógica não rotular, até por garantia de o consumidor poder optar se ele quer ou não comer determinado produto.

IHU ON-LINE – QUAIS SÃO AS RAZÕES E JUSTIFICATIVAS PARA ALTERAR A LEGISLAÇÃO ACERCA DA ROTULAGEM DE PRODUTOS TRANSGÊNICOS NESTE MOMENTO?

J.M.F. – A justificativa é para não estabelecer uma relação de causa e efeito em um produto que pode gerar problemas à saúde. Trabalhos de pesquisadores franceses estabelecem claramente uma correlação entre o milho NK603 com tumores em ratos testados em laboratórios no longo prazo. Os estudos realizados no Brasil são de curtíssimo prazo, de 30 a 35 dias. Se os produtos estiverem rotulados, será possível estabelecer uma relação de causa e efeito caso aconteça algum problema.

IHU ON-LINE – A ROTULAGEM PERMITE O MONITORAMENTO OGMS APÓS SUA INTRODUÇÃO NO MERCADO. COMO SERÁ FEITO O CONTROLE E OS ESTUDOS SOBRE AS IMPLICAÇÕES À SAÚDE DOS OGMS CASO O PL SEJA APROVADO?

J.M.F. – A tentativa de não rotular os produtos flexibiliza também seu monitoramento. Assim, o monitoramento acaba sendo parecido com o recall de carros: coloca-se o produto no mercado (segundo os economistas é mais barato deixar o produto no mercado do que fazer um controle de qualidade) e, caso ocorra algum problema, ele é recolhido. O fato é que isso não pode ser feito com alimentos que influenciam diretamente a saúde da população. Entretanto, a flexibilização do monitoramento levará a uma situação dessas. O produto será comercializado e, se apresentar algum problema, será relatado e então serão realizados estudos para ver se o caso procede. Só depois disso será tomada alguma atitude. Junto disso a não rotulagem dos produtos forma um pacote “extremamente interessante” para a flexibilização geral dos transgênicos no sentido de não poder estabelecer uma relação de causa e efeito do que está acontecendo com os OGMs. O que me deixa estarrecido é o fato de essa alteração estar sendo proposta pelo presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT), que está vinculado a um partido que sempre defendeu os
interesses públicos e sociais. Mas, agora, há uma inversão nos valores, porque as empresas têm interesse nesse governo e vice-versa.

IHU ON-LINE – O PL 4148/08 É UMA TENTATIVA DE EVITAR AS PESQUISAS NA ÁREA DE TRANSGENIA?

J.M.F. – Nem se trata do aprofundamento das pesquisas, porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária / Anvisa não tem notificação para os OGMs. Ou seja, não há uma notificação como há para os nortox, por exemplo, que quando ocorre alguma contaminação tem de avisar a Anvisa. O grande problema é que o monitoramento e a rotulagem foram condições sine quibus non para a aprovação, à época, do uso de OGMs no Brasil. Mas agora que aprovaram o uso, querem retirar a legislação para não haver responsabilidade do que estão fazendo.

IHU ON-LINE – COMO É FEITO O MONITORAMENTO ENTRE A RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO DOS PRODUTOS TRANSGÊNICOS COMERCIALIZADOS?

J.M.F. – A legislação que determina o monitoramento é de 2002, mas apenas há dois anos os produtos transgênicos estão de fato sendo rotulados e, mesmo assim, os que têm como base os OGMs, tais como o óleo de soja, o amido de milho e algumas rações e proteínas de soja. A lei obriga a rotulagem de produtos a partir de 1% de conteúdo geneticamente modificado. Porém isso não é feito. A rotulagem é obrigatória, mas não está sendo cumprida a contento. Não há fiscalização suficiente para acompanhar se esses produtos têm rotulagem ou não.

IHU ON-LINE – COMO O PL 4148/08 TEM SIDO DISCUTIDO NA CTNBIO? QUEM É FAVORÁVEL E QUEM É CONTRÁRIO A ESSA MUDANÇA?

J.M.F. – O panorama é o mesmo daqueles que são mais críticos à liberação dos OGMs sem estudos aprofundados. Faço parte do grupo minoritário, que não é contra o OGM por ser do contra, mas por querer a realização de estudos de longo prazo. Defendemos a precaução porque, se existir a possibilidade de causar algum dano à saúde, tal fato deve ser verificado antes. No âmbito da CTNBio essa questão ainda não foi discutida porque surgiu de repente. Teremos uma reunião nesta semana e provavelmente otema será abordado. Não vejo grandes possibilidades de haver uma posição contrária à mudança. Isso porque, através de uma discussão interna, feita por e-mail, propus uma reflexão sobre o PL4148/08 para todos os membros da CTNBio, e três se manifestaram. Um deles disse que a rotulagem era algo “nazista”, que estão querendo marcar os produtos transgênicos tal como marcaram os judeus. Ocorre que outros produtos também são rotulados e não há nenhum preconceito. A rotulagem justamente oferece a oportunidade de o consumidor optar pelo que ele quer consumir, e saber o que está consumindo. Todos os produtos demarcam os percentuais de proteína, sal, lipídio e todos os ingredientes. Embora a rotulagem seja lei, dentro da CTNBio o debate será complicado.

IHU ON-LINE – HÁ PREVISÃO DE AUTORIZAR-SE A VENDA DE NOVOS PRODUTOS TRANSGÊNICOS?

J.M.F. – Existem muitos produtos transgênicos na lista ainda aguardando alguma autorização. Hoje já existem arroz e feijão transgênicos, base de nossa alimentação, e os estudos sobre os impactos à saúde foram realizados sem profundidade. Foram estudados 30 ratos por 35 dias. O problema é que todos os animais eram machos. Sabemos que há diferenças hormonais entre machos e fêmeas, e cinco deles, sem exceção, apresentaram reações como aumento de perda do fígado, diminuição dos rins e problemas no intestino. No mínimo era necessário realizar mais testes para ver o que continuaria acontecendo. Mas a possibilidade foi desconsiderada. A discussão não é científica; é ideológica. O pior é que há no mercado uma série de OGMs cruzados com outros OGMs. Esses produtos não passam mais pela CTNBio porqueforam aprovados isoladamente. Existem produtos feitos à base de sete produtos modificados geneticamente, que dão origem a novos produtos. Isso precisa ser avaliado porque sabemos que a maioria dos genes que estão no nosso corpo é silenciosa. A situação é crítica e não vejo possibilidade de mudança, a não ser que a população seja informada.

IHU ON-LINE – É POSSÍVEL ESTIMAR O PERCENTUAL DE ALIMENTOS BRASILEIROS TRANSGÊNICOS?

J.M.F. – Quase todos os produtos derivados da soja, ou ao menos 90% deles, e do milho são transgênicos. Uma parcela equivalente a 80% do algodão também é de transgênicos. Associado a isso há um aumento de alterações hormonais, o surgimento de doenças degenerativas (câncer) apesar de não termos um dado estatístico específico. Os transgênicos são associados aos agrotóxicos, então há um efeito sinérgico e as
plantas passam a produzir as toxinas. Toda planta produz a toxina já liberada para alimentação. Por isso que, provavelmente, deu essa incidência de câncer associada ao glifosato, que é a toxina mais utilizada. Hoje, de modo geral, as plantas estão mais tolerantes ao glifosato e os OGMs utilizam herbicidas muito
mais fortes. Essa é uma exigência dos OGMs, ou seja, uma venda casada entre OGMs e herbicidas. A tendência é aumentar o uso desses herbicidas mais poderosos, mais prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Não sabemos por que o Brasil, sendo o maior produtor de alimentos do mundo, é o maior
consumidor de agrotóxicos. É uma relação causal muito evidente com os OGMs.

IHU ON-LINE – COMO A LEI DE BIOSSEGURANÇA TEM SIDO APLICADA DIANTE DOS NOVOS PRODUTOS TRANSGÊNICOS?

J.M.F. – Ela tem sido flexibilizada porque o princípio da precaução tem sido violado, apesar de o Brasil ter assinado um acordo internacional. A lei de biossegurança existe com o princípio de precaução estabelecido, mas no caso do feijão transgênico, onde está aplicado o princípio da precaução? Nenhum país do mundo, por pior que fosse, iria aceitar um trabalho científico com cinco organismos, só sendo avaliados em termos de toxidade. A partir da regulamentação do feijão dá para se ter uma ideia de como está funcionando a lei de biossegurança no país. Na verdade, ela está favorecendo o interesse do agronegócio e não da população, porque só tem estimulado o uso de agrotóxico casado e uma insegurança quanto ao produto que está sendo colocado no mercado. Não é de hoje que tentam alterar a legislação. O PL será votado e sabemos como a maioria pensa. Boa parte dos representantes está ligada aos ministérios, e os ministérios têm a recomendação de aprovação dos OGMs, com exceção do Ministério da Saúde. Para você ter uma ideia, pessoas ligadas ao Ministério da Agricultura analisavam os artigos científicos. Neles mostravam-se os problemas de caso que se estava avaliando, mas não se colocavam essas informações nos seus pareceres. 

José Maria Gusman Ferraz - Mestre em Agronomia pela Universidade de São Paulo/USP e doutor em Ecologia pela Universidade Estadual de Campinas/Unicamp. Cursou pós-doutorado em Agroecologia pela Universidade de Córdoba/UCO, Espanha. É professor do curso de mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da UFSCar e professor convidado da Universidade Estadual de Campinas. Entrevista publicada pela IHU On-line (Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do
Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS) e pelo portal EcoDebate (06/12/2012)


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