E esta noção equivocada — que vê um bem finito como infinito — orienta a relação de muitos cidadãos com os usos da água, afirmam os especialistas. Recurso, no caso brasileiro, é ainda a principal fonte de energia.
— É um problema de 500 anos pelo menos, um conceito arraigado de que os recursos não acabam — diz Dalberto Adulis, consultor de conteúdo do Instituto Akatu.
Foi assim com o pau-brasil, diz ele, e a exploração de culturas como a cana-de-açúcar e o café, extraídas de forma desenfreada pelos portugueses, comprometendo outros recursos naturais, como a Mata Atlântica.
A consciência de que a abundância é só aparente muitas vezes só vem à tona em situações extremas, como no caso recente de São Paulo, onde a falta de água tornou-se uma árida realidade, afetando a população independentemente do segmento social. Fora desses cenários, porém, o comportamento da população, sobretudo em relação à água, é de esbanjamento.
Não é raro encontrar pessoas lavando calçadas ou quintais com mangueira, a chamada “vassoura hidráulica”, ou lavando louça ou escovando os dentes com a torneira aberta ininterruptamente. Além disso, o fato de muitos prédios ainda não terem hidrômetros para medir o consumo individual agrava o problema.
No caso da energia elétrica, o comportamento das pessoas é um pouco mais consciente, avaliam analistas, pelo fato de o racionamento de energia elétrica em 2001 ainda estar vivo na memória. Mas, mesmo neste caso, há muito desperdício.
Para Adulis, um erro crucial do país é a associação do conceito de desenvolvimento econômico ao consumo desenfreado.
A consolidação desse tipo de consumo voraz se deu a partir do pós-guerra, tendo os Estados Unidos como referência. E o Brasil seguiu por essa trilha. Porém, o país parece ter parado no tempo. Enquanto na Califórnia de hoje o uso de mangueiras para lavar carro e regar o jardim é punido com multa, essas são cenas corriqueiras no Brasil, e sem punição ou constrangimento.
Para Adulis, o comportamento sugere noção equivocada de que a economia pode crescer de forma autônoma ao meio ambiente:
— Há uma ideia errada de que abundância é sinal de progresso. Esbanjar não é status, mas escândalo — afirma Adulis. — Quando se prega eficiência energética e o uso racional de recursos, o discurso logo é tachado como “papo de ambientalista” ou, em tom pejorativo, “ecochato”.
Para Gilberto de Martino Jannuzzi, professor de sistemas energéticos da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp, o que falta aos brasileiros é informação:
— Fomos educados que água é uma coisa e energia elétrica, outra. Economizar água é economizar energia.
Adulis lembra que, por terem passado por muitas guerras, os europeus aprenderam desde cedo a lidar com escassez de água e têm um comportamento diferente daquele do brasileiro.
Por outro lado, se as circunstâncias históricas moldam formas de consumo, estas, uma vez apreendidas, tornam-se automatizadas e inconscientes dizem os especialistas. Também é preciso olhar para as razões culturais que as levam a agirem assim. Afinal, a água não serve apenas para saciar a sede por meio de um gesto natural. Seu consumo também é movido por crenças, identificações, moralidades e percepções. Ela se relaciona, por exemplo, a noções de limpeza corporal, de saúde e de pureza, entre outras percepções, o que a torna uma experiência íntima e naturalizada.
Há ainda fatores sociais. Um estudo nos EUA, avaliando uma campanha de economia voluntária de água, constatou que pessoas de classes sociais mais altas resistem mais a mudar seu consumo. Outra pesquisa, esta na Austrália, constatou que o consumo de água era maior em casas mais ricas.
Sem entender motivações como essas, há risco de as campanhas de conscientização falharem. Mesmo assim, estudos indicam que um elemento essencial para o desperdício é a noção de abundância.
A implementação de um sistema de captação e tratamento de água de chuva por R$ 14 mil no condomínio onde Domingos Filho é síndico gerou uma economia de R$ 28 mil no primeiro mês. Com a economia da conta de água, foi construída uma academia no condomínio e logo haverá um salão de de jogos, afirma Filho:
— Pode ficar sem chover seis meses que temos água para limpar as dependências do prédio, regar o jardim e usar a piscina, sem gastar nada da Cedae.
PARA GREENPEACE, POLÍTICAS PÚBLICAS ESTIMULAM O DESCONTROLE
Barbara Rubim, responsável pela campanha de clima e energia do Greenpeace Brasil, considera que o fato de a principal fonte de energia no país ser hidráulica, que é a mais barata, também acaba estimulando o consumo desenfreado.
Apesar de reconhecerem a necessidade de mudança do comportamento dos brasileiros, a implementação de políticas públicas de conscientização da população e o uso racional de recursos naturais por parte dos governos são mais urgentes, dizem especialistas.
— As pessoas se comportam conforme a sinalização que recebem — ressalta Barbara.
E ela rotula como “levianas” as medidas do governo federal nos últimos dois anos para conter o preço da conta de luz, dando uma “aparência de normalidade” num período em que o país enfrenta a pior crise hídrica dos últimos anos. Resultado: o consumo de energia elétrica das residências aumentou 2,5% no primeiro trimestre e os aumentos da conta de luz foram superiores a 20%, o que Barbara classifica como “racionamento às escuras”.
Iniciativas para poupar são bem-vindas. O arquiteto Marcelo Ciaravolo substituiu metade das lâmpadas fluorescentes por lâmpadas de LED, o que reduziu sua conta de luz de R$ 55 para R$ 45 mensais. Ele ajustou o aquecedor a gás para aquecer menos e gastar menos água. No prédio onde mora, estão sendo instalados hidrômetros individuais.
NÃO ADIANTA CULPAR SÃO PEDRO
Mais que a economia de energia, Ciaravolo diz estar preocupado com a escassez de recursos naturais. Sua maior queda de braço é com a mãe:
— Quando almoço com ela, ela lava a louça com a torneira aberta; eu fecho. Ela deixa eletrodomésticos ligados; eu desligo — conta.
Analistas sugerem medidas a curto prazo, como multar o desperdício de água e energia elétrica ou dar descontos a quem reduzir o consumo. Segundo eles, essas ações teriam efeito imediato. Porém, de forma paralela, é urgente a adoção de iniciativa a médio e longo prazos.
Não adianta culpar São Pedro pela falta de água em São Paulo ou pelo encarecimento da conta de luz, diz Adacto Ottoni, professor adjunto e coordenador do curso de pós-graduação em Engenharia Sanitária da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e assessor de meio ambiente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ):
— Não adianta chover para ter água — diz Ottoni, destacando que o principal problema é a falta de políticas públicas para reter água do solo. — O que tem que fazer é não deixar o rio assorear.
Por outro lado, se as circunstâncias históricas moldam formas de consumo, estas, uma vez apreendidas, tornam-se automatizadas e inconscientes dizem os especialistas. Também é preciso olhar para as razões culturais que as levam a agirem assim. Afinal, a água não serve apenas para saciar a sede por meio de um gesto natural. Seu consumo também é movido por crenças, identificações, moralidades e percepções. Ela se relaciona, por exemplo, a noções de limpeza corporal, de saúde e de pureza, entre outras percepções, o que a torna uma experiência íntima e naturalizada.
Há ainda fatores sociais. Um estudo nos EUA, avaliando uma campanha de economia voluntária de água, constatou que pessoas de classes sociais mais altas resistem mais a mudar seu consumo. Outra pesquisa, esta na Austrália, constatou que o consumo de água era maior em casas mais ricas.
Sem entender motivações como essas, há risco de as campanhas de conscientização falharem. Mesmo assim, estudos indicam que um elemento essencial para o desperdício é a noção de abundância.
A implementação de um sistema de captação e tratamento de água de chuva por R$ 14 mil no condomínio onde Domingos Filho é síndico gerou uma economia de R$ 28 mil no primeiro mês. Com a economia da conta de água, foi construída uma academia no condomínio e logo haverá um salão de de jogos, afirma Filho:
— Pode ficar sem chover seis meses que temos água para limpar as dependências do prédio, regar o jardim e usar a piscina, sem gastar nada da Cedae.
PARA GREENPEACE, POLÍTICAS PÚBLICAS ESTIMULAM O DESCONTROLE
Barbara Rubim, responsável pela campanha de clima e energia do Greenpeace Brasil, considera que o fato de a principal fonte de energia no país ser hidráulica, que é a mais barata, também acaba estimulando o consumo desenfreado.
Apesar de reconhecerem a necessidade de mudança do comportamento dos brasileiros, a implementação de políticas públicas de conscientização da população e o uso racional de recursos naturais por parte dos governos são mais urgentes, dizem especialistas.
— As pessoas se comportam conforme a sinalização que recebem — ressalta Barbara.
E ela rotula como “levianas” as medidas do governo federal nos últimos dois anos para conter o preço da conta de luz, dando uma “aparência de normalidade” num período em que o país enfrenta a pior crise hídrica dos últimos anos. Resultado: o consumo de energia elétrica das residências aumentou 2,5% no primeiro trimestre e os aumentos da conta de luz foram superiores a 20%, o que Barbara classifica como “racionamento às escuras”.
Iniciativas para poupar são bem-vindas. O arquiteto Marcelo Ciaravolo substituiu metade das lâmpadas fluorescentes por lâmpadas de LED, o que reduziu sua conta de luz de R$ 55 para R$ 45 mensais. Ele ajustou o aquecedor a gás para aquecer menos e gastar menos água. No prédio onde mora, estão sendo instalados hidrômetros individuais.
NÃO ADIANTA CULPAR SÃO PEDRO
Mais que a economia de energia, Ciaravolo diz estar preocupado com a escassez de recursos naturais. Sua maior queda de braço é com a mãe:
— Quando almoço com ela, ela lava a louça com a torneira aberta; eu fecho. Ela deixa eletrodomésticos ligados; eu desligo — conta.
Analistas sugerem medidas a curto prazo, como multar o desperdício de água e energia elétrica ou dar descontos a quem reduzir o consumo. Segundo eles, essas ações teriam efeito imediato. Porém, de forma paralela, é urgente a adoção de iniciativa a médio e longo prazos.
Não adianta culpar São Pedro pela falta de água em São Paulo ou pelo encarecimento da conta de luz, diz Adacto Ottoni, professor adjunto e coordenador do curso de pós-graduação em Engenharia Sanitária da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e assessor de meio ambiente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea-RJ):
— Não adianta chover para ter água — diz Ottoni, destacando que o principal problema é a falta de políticas públicas para reter água do solo. — O que tem que fazer é não deixar o rio assorear.