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24/03/2012

"Os brasileiros não querem o Código Florestal", diz diretor do Greenpeace

Em entrevista exclusiva ao iG, o sul-africano Kumi Naidoo explica como a questão ambiental se ganhou cunho político e econômico( IG - Maria Fernanda Ziegler, enviada a Manaus) - O diretor executivo do Greenpeace, Kumi Naidoo, espera que as pessoas levem em conta quem controla as decisões políticas e quais os fatores que as levam a tomá-las. Em visita a Manaus para o lançamento da campanha Desmatamento Zero e também para participar do Fórum Mundial de Sustentabilidade, Naidoo conversou com o iG.
O sul-africano de 47 anos, que se tornou líder mundial da organização ambientalista em 2009, tem um histórico de luta contra o regime do apartheid em seu país. No comando do Greenpeace, foi expulso da Conferência do Clima em Durban por protestar contras o lobby das empresas.
Foi preso na Groenlândia ao tentar embarcar em uma plataforma de petróleo no oceano Ártico em junho de 2010. Em 2003, acompanhou o presidente Bill Clinton até o banheiro masculino do Fórum de Davos, na suíça, pois “sabia que ele teria um minutinho para me escutar”.

No Brasil, falou sobre o Código Florestal, a Rio+20, esteve no barco Rainbow Warrior e também falou sobre o lobby das empresas que acabam impedindo decisões políticas que contribuam para o desenvolvimento sustentável e a mitigação das mudanças climáticas.

iG: Como a visita do Rainbow Warrior ao Brasil pode ajudar no combate ao desmatamento?

Kumi Naidoo: O tour do navio destacará áreas em que há desmatamento, portanto poderemos mostrar aos cidadãos do Brasil e de fora o que acontece. Em segundo lugar, queremos nos concentrar nas soluções. Queremos mostrar também coisas positivas, como o que vi na quinta-feira em um projeto de uma comunidade sustentável no Pará, que tirava sustento da floresta, mas sem lhe causar nenhum dano. Era tudo de modo sustentável, algo muito inspirador. Portanto, mostraremos aspectos ruins, mas também nos concentraremos nas soluções. Acredito que essa pesquisa pode ajudar o governo federal.

iG: O senhor participará dessa viagem?

Naidoo: Ah, queria muito poder participar de toda a viagem, mas tenho outras crises na Ásia, portanto voltarei para lá nos próximos dias. Da outra vez que vim ao Brasil, fiquei por dez dias.

iG: Qual é a sua opinião sobre o novo Código Florestal?

Naidoo: É um desastre colossal, que será um grande peso para todos os povos indígenas e pessoas que vivem na Amazônia. Será um desastre e, como resposta, procuramos meios legais que respeitem a Constituição Brasileira. Também queremos mostrar com a população atingida que, se de fato a maioria da população brasileira não quer esse código e assinar a proposta do Desmatamento Zero, o tiro sairá pela culatra para o agronegócio - que tem feito uma campanha tão agressiva. O mesmo ocorrerá com os políticos que assinaram contra a defesa da floresta e a favor de negócios, pois ficariam em uma situação muito embaraçosa. Os políticos precisam levar em conta a opinião pública que rejeita que as taxas de desmatamento voltem a subir mais uma vez.

iG: Para o senhor, haveria uma espécie de esquizofrenia por parte do país ao discutir o Código Florestal e ao mesmo tempo se sair tão bem em debates internacionais sobre meio ambiente?

Naidoo: Sim, exatamente. Acredito que a presidenta Dilma Rousseff esteja sendo pressionada. Mas o fato é que a África já sente os efeitos das mudanças climáticas, e não esperamos que o Brasil, um país que sempre nos deu apoio em questões políticas e sociais muito difíceis, ameace a África da mesma maneira que os Estados Unidos em Europa fazem.

iG: O Greenpeace está planejando fazer alguma ação contra o Código Florestal?

Nadoo: Não podemos dizer o que estamos planejando (risos).

iG: O que o senhor espera da Rio+20?

Naidoo: Observando o cenário atual, vejo que a reunião do Rio tem menos chance por ter menos vontade política de reduzir ou converter essa possibilidade catastrófica. O que está faltando, claramente, é vontade política. Essa é a grande ausência para resolver as coisas. Convido vocês a olharem o discurso que o presidente Lula fez na conferência climática de Copenhagen, em 2009. O que ele falou não é muito diferente do que está sendo dito aqui. A diferença é que foi reconhecida a crise e a importância do fenômeno das mudanças climáticas, mas o que vemos hoje é que continua havendo a ausência das ações concretas para combater esse problema.

iG: Os problemas ambientais se tornam cada vez mais problemas econômicos e diplomáticos. Como a preocupação ambiental pode resolver também problemas de injustiças socioeconômicas?

Nadoo: Atualmente vivemos em uma conversão de crises: a financeira, econômica, social, a de alimentos, da pobreza... Todas elas vieram e estão concentradas. Responderia a todas essas crises como uma coisa só. O resultado seria muito mais impactante do que tratá-las como se fossem questões completamente independentes. Por exemplo, o desemprego é um problema para muitos países, mudanças climáticas e emissões de carbono também o são. Podemos lidar com isso com o investimento de tecnologia para energia renovável. Cria-se a oportunidade de empregos verdes em energia solar, eólica, mas também tratando da eficiência, pois a realidade é que 50% da energia produzida é quase toda perdida. Poderíamos colocar milhares de pessoas no setor de construção para o retrofit (termo utilizado na arquitetura para nomear reformas mais amplas com modificação do uso dos edifícios) de plantas e prédios já existentes. Infelizmente os políticos não conseguem juntar esses pontos e, sabe por quê? Por causa do lobby das empresas. A realidade é que interesses por petróleo, agronegócio, gás estão moldando as decisões dos políticos, tirando o poder do que as pessoas desejam. Para mim, os brasileiros precisam levar em consideração e fazer seus próprios julgamentos sobre quem controla as decisões e o que o leva a tomá-las.

iG: Se o senhor pudesse banir a energia nuclear do mundo, qual fonte energética você escolheria para substituí-la?

Naidoo: Não precisamos mais fazer nenhuma campanha contra energia nuclear, pois ela é muito custosa, cara e uma solução falsa para a mudança climática, que deixará de ser usada de qualquer forma. Portanto, precisamos pensar num cenário de revolução energética, de um mix de fontes de energia apropriado a cada país para garantir a eficiência. Veja só a Groenlândia. Ela é 100% geotérmica, e não vamos sugerir eólica para lá, por exemplo. Não é algo para ser prescrito, mas que precisa ser estudado. É necessário analisar a realidade do lugar, pois é necessário estabelecer um cenário de revolução energética para que entre em vigor agora e possibilite que, em 2050, os países se tornem neutros em carbono. Veja o caso do Japão que, após o acidente na usina nuclear de Fukushima, teve 54 reatores nucleares que foram desativados. Em poucos dias, os dois reatores que restam serão desativados também. E não há nenhum problema de fornecimento de energia. É o que digo: as companhias energéticas muitas vezes empurram soluções para o consumidor que são mais caras e menos eficientes que as energias alternativas.

*A repórter viajou a convite do Fórum Mundial de Sustentabilidade.

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